Ainda Estamos Aqui! A perseguição de pessoas LGBTQIA+ pela ditadura

Perseguição policial na rua, em especial a mulheres transexuais, além de servidores públicos LGBTQIA+ marcaram os anos de chumbo

Perseguição de pessoas LGBTQIA+ pela ditadura
Pessoas LGBTQIA+ foram perseguidas nas ruas e no funcionalismo público Crédito: Arquivo Nacional Brasil/Divulgação

Há pouco mais de sessenta anos, a frágil democracia brasileira, então comandada pelo trabalhista João Goulart, fora emparedada por um golpe cívico-militar que mergulhou o país em uma sangrenta ditadura por vinte e um anos.

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É consenso acadêmico e jurídico que, em especial entre os anos de 1968 e 1974, o Estado Brasileiro censurou, caçou, torturou, exilou e matou milhares daqueles que entendia como “subversivos” – isto é, aqueles que supostamente desafiavam o “status quo” do regime.

Com isso minorias, ainda que distantes da luta armada, da oposição ou sequer de movimentos sociais, foram desmedidamente perseguidas pelos agentes do estado, sejam nos chamados Anos de Chumbo ou até a abertura do Regime, em 1985. Junto com nações indígenas, o povo santo, em especial o candomblé, pessoas LGBTQIA+ sofreram perseguições tanto pelo aparato policial quanto pelo de inteligência, em especial mulheres trans.

Ainda que a perseguição do Estado contra pessoas não-heterossexuais ou transexuais não fosse exatamente um traço único da ditadura brasileira (ou de regimes autoritários no geral), a perseguição contra os LGBTQIA+ era delineada com requintes de crueldade.

Intensamente conservador, o regime e seus apoiadores vislumbravam uma sociedade brasileira que, além de patriótica, era guiada pela “moral e bons costumes”, uma visão tradicionalista e guiada pela moral cristã. Deste modo, aqueles que não se encaixavam nesta visão conservadora eram sistematicamente perseguidos, humilhados e violentados pelos agentes do estado, em especial pelo aparato policial. 

A Comissão Nacional da Verdade aponta que era do interesse do Estado a chamada “higienização” das ruas, de modo que rondas policiais e de outros agentes periodicamente caçavam travestis e drag-queens, acusando-as de vadiagem e subversão. Frequentemente seviciadas, torturadas e enxotadas, estas populações sofreram abusos gravíssimos, em especial nas mãos de delegados como José Wilson Richetti, que em São Paulo promoveu uma cruzada contra todos os que fugiam do padrão heteronormativo.

Já em 1968 ele afirmava publicamente que iria limpar a cidade contra todos os “degenerados”. O operador da perseguição desproporcionalmente atacava locais que eram frequentados por gays, lésbicas e as chamadas “transformistas”, atuando com tamanha violência a ponto de desencorajar estabelecimentos simpáticos e incutir estigmas contra estas populações.

Para além do policial da esquina, acobertado por uma política de Estado, a perseguição a estas populações alcançou também o serviço público. O caso mais emblemático de sanções a pessoas LGBTQIA+ em cargos públicos ocorreu em 1969, quando o Governo Federal, mais especificamente o Itamaraty, passa a ativamente devassar a vida de diplomatas para descobrir, dentre outras características, quais eram homossexuais.

O Ministério de Relações Exteriores teria requisitado, inclusive, exames psicológicos e proctológicos para buscar estes “culpados”. Há registro de pelo menos sete membros do corpo diplomático brasileiro que foram expulsos de seus postos pelo simples fato de não seguirem a heteronormatividade, ainda que não publicamente. 

No livro “Contra a moral e os bons costumes: A ditadura e a repressão à comunidade LGBT”, de Renan Quinalha, é possível verificar que, ainda que a política LGBTfóbica do Estado Brasileiro não se inaugure com o golpe de 64 ou a instauração do Ai-5, ela se intensifica e toma contornos mais cruéis.

De fato, a resistência destas populações, antes, durante e após o regime é algo notável, tendo tido um papel importante na redemocratização brasileira – ainda que, por razões de preconceitos e estigmas, estes papéis sejam pouco lembrados.

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